Fernando Pessoa
1888 - 1935
Mensagem
Terceira parte
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O ENCOBERTOPax in Excelsis.
I. OS SÍMBOLOS
PRIMEIRO / D. SEBASTIÃO
'Sperai! Cai no areal e na hora adversaQue Deus concede aos seusPara o intervalo em que esteja a alma imersaEm sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventuraSe com Deus me guardei?É O que eu me sonhei que eterno duraÉ Esse que regressarei.
SEGUNDO / O QUINTO IMPÉRIO
Triste de quem vive em casa,Contente com o seu lar,Sem que um sonho, no erguer de asaFaça até mais rubra a brasaDa lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!Vive porque a vida dura.Nada na alma lhe dizMais que a lição da raizTer por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somemNo tempo que em eras vem.Ser descontente é ser homem.Que as forças cegas se domemPela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatroTempos do ser que sonhou,A terra será teatroDo dia claro, que no atroDa erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,Europa – os quatro se vãoPara onde vai toda idade.Quem vem viver a verdadeQue morreu D. Sebastião?
TERCEIRO / O DESEJADO
Onde quer que, entre sombras e dizeres,Jazas, remoto, sentete sonhado,E ergue-te do fundo de nãoseresPara teu novo fado!
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,Mas já no auge da suprema prova,A alma penitente do teu povoÀ Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,Excalibur do Fim, em jeito talQue sua Luz ao mundo divididoRevele o Santo Gral!
QUARTO / AS ILHAS AFORTUNADAS
Que voz vem no som das ondasQue não é a voz do mar?E a voz de alguém que nos fala,Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.E só se, meio dormindo,Sem saber de ouvir ouvimosQue ela nos diz a esperança
A que, como uma criançaDormente, a dormir sorrimos.São ilhas afortunadasSão terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.Mas, se vamos despertandoCala a voz. e há só o mar.
QUINTO / O ENCOBERTO
Que símbolo fecundoVem na aurora ansiosa?Na Cruz Morta do MundoA Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divinoTraz o dia já visto?Na Cruz, que é o Destino,A Rosa que é o Cristo.
Que símbolo finalMostra o sol já desperto?Na Cruz morta e fatalA Rosa do Encoberto.
II. OS AVISOS
PRIMEIRO / O BANDARRA
Sonhava, anónimo e disperso,O Império por Deus mesmo visto,Confuso como o UniversoE plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói,Mas Deus sagrou com Seu sinalEste, cujo coração foiNão português, mas Portugal.
SEGUNDO / ANTÓNIO VIEIRA
O céu 'strela o azul e tem grandeza.Este, que teve a fama e à glória tem,Imperador da língua portuguesa,Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar,Constelado de forma e de visão,Surge, prenúncio claro do luar,El Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.É um dia, e, no céu amplo de desejo,A madrugada irreal do Quinto ImpérioDoira as margens do Tejo.
TERCEIRO
'Screvo meu livro à beiramágoa.Meu coração não tem que ter.Tenho meus olhos quentes de água.Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensarMeus dias vácuos enche e doura.Mas quando quererás voltar?Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o CristoDe a quem morreu o falso Deus,E a despertar do mal que existoA Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,Sonho das eras português,Tornar-me mais que o sopro incertoDe um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás voltando,Fazer minha esperança amor?Da névoa e da saudade quando?Quando, meu Sonho e meu Senhor?
III. OS TEMPOS
PRIMEIRO / NOITE
A nau de um deles tinha-se perdidoNo mar indefinido.O segundo pediu licença ao ReiDe, na fé e na lei
Da descoberta, ir em procuraDo irmão no mar sem fim e a névoa escura.Tempo foi. Nem primeiro nem segundoVolveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem deraO enigma que fizera.Então o terceiro a ElRei rogouLicença de os buscar, e El-Rei negou.
Como a um cativo, o ouvem a passarOs servos do solar.E, quando o vêem, vêem a figuraDa febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsiaFitando a proibida azul distância.Senhor, os dois irmãos do nosso Nome– O Poder e o Renome –
Ambos se foram pelo mar da idadeÀ tua eternidade;E com eles de nós se foiO que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscálos, desta vilNossa prisão servil:É a busca de quem somos, na distânciaDe nós; e, em febre de ânsia,
A Deus as mãos alçamos.Mas Deus não dá licença que partamos.
SEGUNDO / TORMENTA
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?Nós, Portugal, o poder ser.Que inquietação do fundo nos soergue?O desejar poder querer.
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...Mas súbito, onde o vento ruge,O relâmpago, farol de Deus, um haustoBrilha e o mar 'scuro 'struge.
TERCEIRO / CALMA NEVOEIRO
Que costa é que as ondas contamE se não pode encontrarPor mais naus que haja no mar?O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo?Este som de o mar praiarOnde é que está existindo?lha próxima e remota,
Que nos ouvidos persiste,Para a vista não existe.Que nau, que armada, que frotaPode encontrar o caminho
A praia onde o mar insiste,Se à vista o mar é sozinho?Haverá rasgões no espaçoQue dêem para outro lado,
E que, um deles encontrado,Aqui, onde há só sargaço,Surja uma ilha velada,O país afortunado
Que guarda o Rei desterradoEm sua vida encantada?
QUARTO / ANTEMANHA
O mostrengo que está no fim do marVeio das trevas a procurarA madrugada do novo diaDo novo dia sem acabar
E disse: Que desvendou o Segundo MundoNem o Terceiro quere desvendar"E o som na treva de ele rodarFaz mau o sono, triste o sonhar,
Rodou e foi-se o mostrengo servoQue seu senhor veio aqui buscar.Que veio aqui seu senhor chamar –Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.
QUINTO / NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,Define com perfil e serEste fulgor baço da terraQue é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,Como o que o fogofátuo encerra.Ninguém sabe que coisa quere.Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.(Que ânsia distante perto chora?)Tudo é incerto e derradeiro.Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...É a Hora! |