Luís Vaz de Camões
1524/25 -1580
Os Lusíadas
Canto I
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Edição 1572 (Biblioteca Nacional Digital)
Canto primeiro.
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1 | As armas e os barões assinalados,Que da ocidental praia Lusitana,Por mares nunca de antes navegados,Passaram ainda além da Taprobana,Em perigos e guerras esforçados,Mais do que prometia a força humana,E entre gente remota edificaramNovo Reino, que tanto sublimaram;
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2 | E também as memórias gloriosasDaqueles Reis, que foram dilatandoA Fé, o Império, e as terras viciosasDe África e de Ásia andaram devastando;E aqueles, que por obras valerosasSe vão da lei da morte libertando;Cantando espalharei por toda parte,Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
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3 | Cessem do sábio Grego e do TroianoAs navegações grandes que fizeram;Cale-se de Alexandro e de TrajanoA fama das vitórias que tiveram;Que eu canto o peito ilustre Lusitano,A quem Neptuno e Marte obedeceram:Cesse tudo o que a Musa antígua canta,Que outro valor mais alto se alevanta.
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4 | E vós, Tágides minhas, pois criadoTendes em mim um novo engenho ardente,Se sempre em verso humilde celebradoFoi de mim vosso rio alegremente,Dai-me agora um som alto e sublimado,Um estilo grandíloquo e corrente,Porque de vossas águas, Febo ordeneQue não tenham inveja às de Hipoerene.
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5 | Dai-me uma fúria grande e sonorosa,E não de agreste avena ou frauta ruda,Mas de tuba canora e belicosa,Que o peito acende e a cor ao gesto muda;Dai-me igual canto aos feitos da famosaGente vossa, que a Marte tanto ajuda;Que se espalhe e se cante no universo,Se tão sublime preço cabe em verso.
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6 | E vós, ó bem nascida segurançaDa Lusitana antígua liberdade,E não menos certíssima esperançaDe aumento da pequena Cristandade;Vós, ó novo temor da Maura lança,Maravilha fatal da nossa idade,Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,Para do mundo a Deus dar parte grande;
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7 | Vós, tenro e novo ramo florescenteDe uma árvore de Cristo mais amadaQue nenhuma nascida no Ocidente,Cesárea ou Cristianíssima chamada;(Vede-o no vosso escudo, que presenteVos amostra a vitória já passada,Na qual vos deu por armas, e deixouAs que Ele para si na Cruz tomou)
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8 | Vós, poderoso Rei, cujo alto ImpérioO Sol, logo em nascendo, vê primeiro;Vê-o também no meio do Hemisfério,E quando desce o deixa derradeiro;Vós, que esperamos jugo e vitupérioDo torpe Ismaelita cavaleiro,Do Turco oriental, e do Gentio,Que inda bebe o licor do santo rio;
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9 | Inclinai por um pouco a majestade,Que nesse tenro gesto vos contemplo,Que já se mostra qual na inteira idade,Quando subindo ireis ao eterno templo;Os olhos da real benignidadePonde no chão: vereis um novo exemploDe amor dos pátrios feitos valerosos,Em versos divulgado numerosos.
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10 | Vereis amor da pátria, não movidoDe prémio vil, mas alto e quase eterno:Que não é prémio vil ser conhecidoPor um pregão do ninho meu paterno.Ouvi: vereis o nome engrandecidoDaqueles de quem sois senhor superno,E julgareis qual é mais excelente,Se ser do mundo Rei, se de til gente.
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11 | Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,Fantásticas, fingidas, mentirosas,Louvar os vossos, como nas estranhasMusas, de engrandecer-se desejosas:As verdadeiras vossas são tamanhas,Que excedem as sonhadas, fabulosas;Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,E Orlando, inda que fora verdadeiro,
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12 | Por estes vos darei um Nuno fero,Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço,Um Egas, e um D. Fuas, que de HomeroA cítara para eles só cobiço.Pois pelos doze Pares dar-vos queroOs doze de Inglaterra, e o seu Magriço;Dou-vos também aquele ilustre Gama,Que para si de Eneias toma a fama.
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13 | Pois se a troco de Carlos, Rei de França,Ou de César, quereis igual memória,Vede o primeiro Afonso, cuja lançaEscura faz qualquer estranha glória;E aquele que a seu Reino a segurançaDeixou com a grande e próspera vitória;Outro Joane, invicto cavaleiro,O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.
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14 | Nem deixarão meus versos esquecidosAqueles que nos Reinos lá da AuroraFizeram, só por armas tão subidos,Vossa bandeira sempre vencedora:Um Pacheco fortíssimo, e os temidosAlmeidas, por quem sempre o Tejo chora;Albuquerque terríbil, Castro forte,E outros em quem poder não teve a morte.
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15 | E enquanto eu estes canto, e a vós não posso,Sublime Rei, que não me atrevo a tanto,Tomai as rédeas vós do Reino vosso:Dareis matéria a nunca ouvido canto.Comecem a sentir o peso grosso(Que pelo mundo todo faça espanto)De exércitos e feitos singulares,De África as terras, e do Oriente os marços,
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16 | Em vós os olhos tem o Mouro frio,Em quem vê seu exício afigurado;Só com vos ver o bárbaro GentioMostra o pescoço ao jugo já inclinado;Tethys todo o cerúleo senhorioTem para vós por dote aparelhado;Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,Deseja de comprar-vos para genro.
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17 | Em vós se vêm da olímpica moradaDos dois avós as almas cá famosas,Uma na paz angélica dourada,Outra pelas batalhas sanguinosas;Em vós esperam ver-se renovadaSua memória e obras valerosas;E lá vos tem lugar, no fim da idade,No templo da suprema Eternidade.
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18 | Mas enquanto este tempo passa lentoDe regerdes os povos, que o desejam,Dai vós favor ao novo atrevimento,Para que estes meus versos vossos sejam;E vereis ir cortando o salso argentoOs vossos Argonautas, por que vejamQue são vistos de vós no mar irado,E costumai-vos já a ser invocado.
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19 | Já no largo Oceano navegavam,As inquietas ondas apartando;Os ventos brandamente respiravam,Das naus as velas côncavas inchando;Da branca escuma os mares se mostravamCobertos, onde as proas vão cortandoAs marítimas águas consagradas,Que do gado de Próteo são cortadas
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20 | Quando os Deuses no Olimpo luminoso,Onde o governo está da humana gente,Se ajuntam em concílio gloriosoSobre as cousas futuras do Oriente.Pisando o cristalino Céu formoso,Vêm pela Via-Láctea juntamente,Convocados da parte do Tonante,Pelo neto gentil do velho Atlante.
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21 | Deixam dos sete Céus o regimento,Que do poder mais alto lhe foi dado,Alto poder, que só co'o pensamentoGoverna o Céu, a Terra, e o Mar irado.Ali se acharam juntos num momentoOs que habitam o Arcturo congelado,E os que o Austro tem, e as partes ondeA Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.
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22 | Estava o Padre ali sublime e dino,Que vibra os feros raios de Vulcano,Num assento de estrelas cristalino,Com gesto alto, severo e soberano.Do rosto respirava um ar divino,Que divino tornara um corpo humano;Com uma coroa e ceptro rutilante,De outra pedra mais clara que diamante.
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23 | Em luzentes assentos, marchetadosDe ouro e de perlas, mais abaixo estavamOs outros Deuses todos assentados,Como a razão e a ordem concertavam:Precedem os antíguos mais honrados;Mais abaixo os menores se assentavam;Quando Júpiter alto, assim dizendo,C'um tom de voz começa, grave e horrendo:
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24 | Eternos moradores do luzenteEstelífero pólo, e claro assento,Se do grande valor da forte genteDe Luso não perdeis o pensamento,Deveis de ter sabido claramente,Como é dos fados grandes certo intento,Que por ela se esqueçam os humanosDe Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
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25 | Já lhe foi (bem o vistes) concedidoC'um poder tão singelo e tão pequeno,Tomar ao Mouro forte e guarnecidoToda a terra, que rega o Tejo ameno:Pois contra o Castelhano tão temido,Sempre alcançou favor do Céu sereno.Assim que sempre, enfim, com fama e glória,Teve os troféus pendentes da vitória.
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26 | Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,Que coa gente de Rómulo alcançaram,Quando com Viriato, na inimigaGuerra romana tanto se afamaram;Também deixo a memória, que os obrigaA grande nome, quando alevantaramUm por seu capitão, que peregrinoFingiu na cerva espírito divino.
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27 | Agora vedes bem que, cometendoO duvidoso mar num lenho leve,Por vias nunca usadas, não temendoDe Áf rico e Noto a força, a mais se atreve:Que havendo tanto já que as partes vendoOnde o dia é comprido e onde breve,Inclinam seu propósito e porfiaA ver os berços onde nasce o dia.
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28 | Prometido lhe está do Fado eterno,Cuja alta Lei não pode ser quebrada,Que tenham longos tempos o governoDo mar, que vê do Sol a roxa entrada.Nas águas têm passado o duro inverno;A gente vem perdida e trabalhada;Já parece bem feito que lhe sejaMostrada a nova terra, que deseja.
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29 | E porque, como vistes, têm passadosNa viagem tão ásperos perigos,Tantos climas e céus experimentados,Tanto furor de ventos inimigos,Que sejam, determino, agasalhadosNesta costa africana, como amigos.E tendo guarnecida a lassa frota,Tornarão a seguir sua longa rota.
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30 | Estas palavras Júpiter dizia,Quando os Deuses por ordem respondendo,Na sentença um do outro diferia,Razões diversas dando e recebendo.O padre Baco ali não consentiaNo que Júpiter disse, conhecendoQue esquecerão seus feitos no Oriente,Se lá passar a Lusitana gente.
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31 | Ouvido tinha aos Fados que viriaUma gente fortíssima de EspanhaPelo mar alto, a qual sujeitariaDa índia tudo quanto Dóris banha,E com novas vitórias venceriaA fama antiga, ou sua, ou fosse estranha.Altamente lhe dói perder a glória,De que Nisa celebra inda a memória.
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32 | Vê que já teve o Indo sojugado,E nunca lhe tirou Fortuna, ou caso,Por vencedor da Índia ser cantadoDe quantos bebem a água de Parnaso.Teme agora que seja sepultadoSeu tão célebre nome em negro vasoD'água do esquecimento, se lá chegamOs fortes Portugueses, que navegam.
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33 | Sustentava contra ele Vénus bela,Afeiçoada à gente Lusitana,Por quantas qualidades via nelaDa antiga tão amada sua Romana;Nos fortes corações, na grande estrela,Que mostraram na terra Tingitana,E na língua, na qual quando imagina,Com pouca corrupção crê que é a Latina.
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34 | Estas causas moviam Citereia,E mais, porque das Parcas claro entendeQue há de ser celebrada a clara Deia,Onde a gente belígera se estende.Assim que, um pela infâmia, que arreceia,E o outro pelas honras, que pretende,Debatem, e na porfia permanecem;A qualquer seus amigos favorecem.
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35 | Qual Austro fero, ou Bóreas na espessuraDe silvestre arvoredo abastecida,Rompendo os ramos vão da mata escura,Com ímpeto e braveza desmedida;Brama toda a montanha, o som murmura,Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:Tal andava o tumulto levantado,Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.
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36 | Mas Marte, que da Deusa sustentavaEntre todos as partes em porfia,Ou porque o amor antigo o obrigava,Ou porque a gente forte o merecia,De entre os Deuses em pé se levantava:Merencório no gesto parecia;O forte escudo ao colo penduradoDeitando para trás, medonho e irado,
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37 | A viseira do elmo de diamanteAlevantando um pouco, mui seguro,Por dar seu parecer, se pôs dianteDe Júpiter, armado, forte e duro:E dando uma pancada penetrante,Com o conto do bastão no sólio puro,O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,Um pouco a luz perdeu, como enfiado.
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38 | E disse assim: Ó Padre, a cujo impérioTudo aquilo obedece, que criaste,Se esta gente, que busca outro hemisfério,Cuja valia, e obras tanto amaste,Não queres que padeçam vitupério,Como há já tanto tempo que ordenaste,Não onças mais, pois és juiz direito,Razões de quem parece que é suspeito.
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39 | Que, se aqui a razão se não mostrasseVencida do temor demasiado,Bem fora que aqui Baco os sustentasse,Pois que de Luso vem, seu tão privado;Mas esta tenção sua agora passe,Porque enfim vem de estâmago danado;Que nunca tirará alheia invejaO bem, que outrem merece, e o Céu deseja.
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40 | E tu, Padre de grande fortaleza,Da determinação, que tens tomada,Não tornes por detrás, pois é fraquezaDesistir-se da cousa começada.Mercúrio, pois excede em ligeirezaAo vento leve, e à seta bem talhada,Lhe vá mostrar a terra, onde se informeDa índia, e onde a gente se reforme.
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41 | Como isto disse, o Padre poderoso,A cabeça inclinando, consentiuNo que disse Mavorte valeroso,E néctar sobre todos esparziu.Pelo caminho Lácteo gloriosoLogo cada um dos Deuses se partiu,Fazendo seus reais acatamentos,Para os determinados aposentos.
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42 | Enquanto isto se passa na formosaCasa etérea do Olimpo onipotente,Cortava o mar a gente belicosa,Já lá da banda do Austro e do Oriente,Entre a costa Etiópica e a famosaIlha de São Lourenço; e o Sol ardenteQueimava então os Deuses, que TifeuCom o temor grande em peixes converteu.
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43 | Tão brandamente os ventos os levavam,Como quem o céu tinha por amigo:Sereno o ar, e os tempos se mostravamSem nuvens, sem receio de perigo.O promontório Prasso já passavam,Na costa de Etiópia, nome antigo,Quando o mar descobrindo lhe mostravaNovas ilhas, que em torno cerca e lava.
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44 | Vasco da Gama, o forte capitão,Que a tamanhas empresas se oferece,De soberbo e de altivo coração,A quem Fortuna sempre favorece,Para se aqui deter não vê razão,Que inabitada a terra lhe parece:Por diante passar determinava;Mas não lhe sucedeu como cuidava.
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45 | Eis aparecem logo em companhiaUns pequenos batéis, que vêm daquelaQue mais chegada à terra parecia,Cortando o longo mar com larga vela.A gente se alvoroça, e de alegriaNão sabe mais que olhar a causa dela.Que gente será esta, em si diziam,Que costumes, que Lei, que Rei teriam?
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46 | As embarcações eram, na maneira,Mui veloces, estreitas e compridas:As velas, com que, vêm, eram de esteiraDumas folhas de palma, bem tecidas;A gente da cor era verdadeira,Que Faeton, nas terras acendidas,Ao mundo deu, de ousado, o não prudente:O Pado o sabe, o Lampetusa o sente.
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47 | De panos de algodão vinham vestidos,De várias cores, brancos e listrados:Uns trazem derredor de si cingidos,Outros em modo airoso sobraçados:Da cinta para cima vêm despidos;Por armas têm adargas o terçados;Com toucas na cabeça; e navegando,Anafis sonoros vão tocando.
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48 | Co'os panos e co'os braços acenavamAs gentes Lusitanas, que esperassem;Mas já as proas ligeiras se inclinavamPara que junto às ilhas amainassem.A ,ente e marinheiros trabalhavam,Como se aqui os trabalhos se acabassem;Tomam velas; amaina-se a verga alta;Da âncora, o mar ferido, em cima salta.
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49 | Não eram ancorados, quando a genteEstranha pelas cordas já subia.No gesto ledos vêm, e humanamenteO Capitão sublime os recebia:As mesas manda pôr em continente;Do licor que Lieo prantado haviaEnchem vasos de vidro, e do que deitam,Os de Faeton queimados nada enjeitam.
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50 | Comendo alegremente perguntavam,Pela Arábica língua, donde vinham,Quem eram, de que terra, que buscavam,Ou que partes do mar corrido tinham?Os fortes Lusitanos lhe tornavamAs discretas respostas, que convinham:Os Portugueses somos do Ocidente,Imos buscando as terras do Oriente.
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51 | Do mar temos corrido e navegadoToda a parte do Antártico e Calisto,Toda a costa Africana rodeado,Diversos céus e terras temos visto;Dum Rei potente somos, tão amado,Tão querido de todos, e benquisto,Que não no largo mar, com leda fronte,Mas no lago entraremos de Aqueronte.
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52 | E por mandado seu, buscando andamosA terra Oriental que o Indo rega;Por ele, o mar remoto navegamos,Que só dos feios focas se navega.Mas já razão parece que saibamos,Se entre vós a verdade não se nega,Quem sois, que terra é esta que habitais,Ou se tendes da Índia alguns sinais?
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53 | Somos, um dos das ilhas lhe tornou,Estrangeiros na terra, Lei e nação;Que os próprios são aqueles, que criouA natura sem Lei e sem razão.Nós temos a Lei certa, que ensinouO claro descendente de AbraãoQue agora tem do mundo o senhorio,A mãe Hebréia teve, e o pai Gentio.Informações. A Ilha de Moçambique.
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54 | Esta ilha pequena, que habitamos,em toda esta terra certa escalaDe todos os que as ondas navegamosDe Quíloa, de Mombaça e de Sofala;E, por ser necessária, procuramos,Como próprios da terra, de habitá-la;E por que tudo enfim vos notifique,Chama-se a pequena ilha Moçambique.
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55 | E já que de tão longe navegais,Buscando o Indo Idaspe e terra ardente,Piloto aqui tereis, por quem sejaisGuiados pelas ondas sabiamente.Também será bem feito que tenhaisDa terra algum refresco, e que o RegenteQue esta terra governa, que vos veja,E do mais necessário vos proveja.
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56 | Isto dizendo, o Mouro se tornouA seus batéis com toda a companhia;Do Capitão e gente se apartouCom mostras de devida cortesia.Nisto Febo nas águas encerrou,Co'o carro de cristal, o claro dia,Dando cargo à irmã, que alumiasseO largo mundo, enquanto repousasse.
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57 | A noite se passou na lassa frotaCom estranha alegria, e não cuidada,Por acharem da terra tão remotaNova de tanto tempo desejada.Qualquer então consigo cuida e notaNa gente e na maneira desusada,E como os que na errada Seita creram,Tanto por todo o mundo se estenderam,
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58 | Da Lua os claros raios rutilavamPelas argênteas ondas Neptuninas,As estrelas os Céus acompanhavam,Qual campo revestido de boninas;Os furiosos ventos repousavamPelas covas escuras peregrinas;Porém da armada a gente vigiava,Como por longo tempo costumava.
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59 | Mas assim como a Aurora marchetadaOs formosos cabelos espalhouNo Céu sereno, abrindo a roxa entradaAo claro Hiperiónio, que acordou,Começa a embandeirar-se toda a armada,E de toldos alegres se adornou,Por receber com festas e alegriaO Regedor das ilhas, que partia.
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60 | Partia alegremente navegando,A ver as naus ligeiras Lusitanas,Com refresco da terra, em si cuidandoQue são aquelas gentes inumanas,Que, os aposentos cáspios habitando,A conquistar as terras AsianasVieram; e por ordem do Destino,O Império tomaram a Constantino.
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61 | Recebe o Capitão alegrementeO Mouro, e toda a sua companhia;Dá-lhe de ricas peças um presente,Que só para este efeito já trazia;Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardenteNão usado licor, que dá alegria.Tudo o Mouro contente bem recebe;E muito mais contente come e bebe.
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62 | Está a gente marítima de LusoSubida pela enxárcia, de admirada,Notando o estrangeiro modo e uso,E a linguagem tão bárbara e enleada.Também o Mouro astuto está confuso,Olhando a cor, o trajo, e a forte armada;E perguntando tudo, lhe diziaSe por ventura vinham de Turquia?
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63 | E mais lhe diz também, que ver desejaOs livros de sua Lei, preceito eu fé,Para ver se conforme à sua seja,Ou se são dos de Cristo, como Crê.E porque tudo note e tudo veja,Ao Capitão pedia que lhe dêMostra das fortes armas de que usavam,Quando co'os inimigos pelejavam.
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64 | Responde o valeroso CapitãoPor um, que a língua escura bem sabia:Dar-te-ei, Senhor ilustre, relaçãoDe mim, da Lei, das armas que trazia.Nem sou da terra, nem da geraçãoDas gentes enojosas de Turquia:Mas sou da forte Europa belicosa,Busco as terras da índia tão famosa.
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65 | A lei tenho daquele, a cujo impérioObedece o visíbil e ínvisíbilAquele que criou todo o Hemisfério,Tudo o que sente, o todo o insensíbil;Que padeceu desonra e vitupério,Sofrendo morte injusta e insofríbil,E que do Céu à Terra, enfim desceu,Por subir os mortais da Terra ao Céu.
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66 | Deste Deus-Homem, alto e infinito,Os livros, que tu pedes não trazia,Que bem posso escusar trazer escritoEm papel o que na alma andar devia.Se as armas queres ver, como tens dito,Cumprido esse desejo te seria;Como amigo as verás; porque eu me obrigo,Que nunca as queiras ver como inimigo.
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67 | Isto dizendo, manda os diligentesMinistros amostrar as armaduras:Vêm arneses, e peitos reluzentes,Malhas finas, e lâminas seguras,Escudos de pinturas diferentes,Pelouros, espingardas de aço puras,Arcos, e sagitíferas aljavas,Partazanas agudas, chuças bravas:
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68 | As bombas vêm de fogo, e juntamenteAs panelas sulfúreas, tão danosas;Porém aos de Vulcano não consenteQue dêem fogo às bombardas temerosas;Porque o generoso ânimo e valente,Entre gentes tão poucas e medrosas,Não mostra quanto pode, e com razão,Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.
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69 | Porém disto, que o Mouro aqui notou,E de tudo o que viu com olho atentoUm ódio certo na alma lhe ficou,Uma vontade má de pensamento.Nas mostras e no gesto o não mostrou;Mas com risonho e ledo fingimentoTratá-los brandamente determina,Até que mostrar possa o que imagina.
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70 | Pilotos lhe pedia o Capitão,Por quem pudesse à Índia ser levado;Diz-lhe que o largo prémio levarãoDo trabalho que nisso for tomado.Promete-lhos o Mouro, com tençãoDe peito venenoso, e tão danado,Que a morte, se pudesse, neste dia,Em lugar de pilotos lhe daria.
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71 | Tamanho o ódio foi, e a má vontade,Que aos estrangeiros súbito tomou,Sabendo ser sequazes da verdade,Que o Filho de David nos ensinou.ó segredos daquela Eternidade,A quem juízo algum nunca alcançou!Que nunca falte um pérfido inimigoAqueles de quem foste tanto amigo!
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72 | Partiu-se Disto enfim coa companhia,Das naus o falso Mouro despedido,Com enganosa e grande cortesia,Com gesto ledo a todos, e fingido.Cortaram os batéis a curta viaDas águas de Neptuno, e recebidoNa terra do obsequente ajuntamentoSe foi o Mouro ao cógnito aposento.
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73 | Do claro assento etóreo o grão Tebano,Que da paternal coxa foi nascido,Olhando o ajuntamento LusitanoAo Mouro ser molesto e avorrecido,No pensamento cuida um falso engano,Com que seja de todo destruído.E enquanto isto só na alma imaginava,Consigo estas palavras praticava:
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74 | Está do fado já determinado,Que tamanhas vitórias, tão famosas,Hajam os Portugueses alcançadoDas Indianas gentes belicosas.E eu só, filho do Padre sublimado,Com tantas qualidades generosas,Hei de sofrer que o fado favoreçaOutrem, por quem meu nome se escureça?
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75 | Já quiseram os Deuses que tivesseO filho de Filipo nesta parteTanto poder, que tudo submetesseDebaixo de seu jugo o fero Marte.Mas há-se de sofrer que o fado desseA tão poucos tamanho esforço e arte,Que eu co'o grão Macedónio, e o Romano,Demos lugar ao nome Lusitano?
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76 | Não será assim, porque antes que chegadoSeja este Capitão, astutamenteLhe será tanto engano fabricadosQue nunca veja as partes do Oriente.Eu descerei à Terra, e o indignadoPeito revolverei da Maura gente;Porque sempre por via irá direitaQuem do oportuno tempo se aproveita.
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77 | Isto dizendo, irado e quase insano,Sobre a terra africana descendeu,Onde vestindo a forma e gesto humano,Para o Prasso sabido se moveu.E por melhor tecer o astuto engano,No gesto natural se converteuDum Mouro, em Moçambique conhecidoVelho, sábio, e co'o Xeque mui valido.
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78 | E entrando assim a falar-lhe a tempo e horasA sua falsidade acomodadas,Lhe diz como eram gentes roubadoras,Estas que ora de novo são chegadas;Que das nações na costa moradorasCorrendo a fama veio que roubadasForam por estes homens que passavam,Que com pactos de paz sempre ancoravam.
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79 | E sabe mais, lhe diz, como entendidoTenho destes cristãos sanguinolentos,Que quase todo o mar têm destruídoCom roubos, com incêndios violentos;E trazem já de longe engano urdidoContra nós; e que todos seus intentosSão para nos matarem e roubarem,E mulheres e filhos cativarem.
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80 | E também sei que tem determinadoDe vir por água a terra muito cedoO Capitão dos seus acompanhado,Que da tensão danada nasce o medo.Tu deves de ir também co'os teus armadoEsperá-lo em cilada, oculto e quedo;Porque, saindo a gente descuidada,Cairão facilmente na cilada.
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81 | E se inda não ficarem deste jeitoDestruídos, ou mortos totalmenteEu tenho imaginado no conceitoOutra manha e ardil, que te contente:Manda-lhe dar piloto, que de jeitoSeja astuto no engano, e tão prudente,Que os leve aonde sejam destruídos,Desbaratados, mortos, ou perdidos.
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82 | Tanto que estas palavras acabou,O Mouro, nos tais casos sábio e velho,Os braços pelo colo lhe lançou,Agradecendo muito o tal conselho;E logo nesse instante concertouPara a guerra o belígero aparelho,Para que ao Português se lhe tornasseEm roxo sangue a água, que buscasse.
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83 | E busca mais, para o cuidado engano,Mouro, que por piloto à nau lhe mande,Sagaz, astuto, e sábio em todo o dano,De quem fiar-se possa um feito grande.Diz-lhe que acompanhando o Lusitano,Por tais costas e mares com ele ande,Que, se daqui escapar, que lá dianteVá cair onde nunca se alevante.
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84 | Já o raio Apolíneo visitavaOs montes Nabatêos acendido,Quando o Gama, colos seus determinavaDe vir por água a terra apercebido.A gente nos batéis se concertava,Como se fosse o engano já sabido:Mas pode suspeitar-se facilmente,Que o coração pressago nunca mente.
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85 | E mais também mandado tinha a terra,De antes, pelo piloto necessário,E foi-lhe respondido em som de guerra,Caso do que cuidava mui contrário;Por isto, e porque sabe quanto erraQuem se crê de seu pérfido adversário,Apercebido vai como podia,Em três batéis somente que trazia.
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86 | Mas os Mouros que andavam pela praia,Por lhe defender a água desejada,Um de escudo embraçado e de azagaia,Outro de arco encurvado e seta ervada,Esperam que a guerreira gente saia,Outros muitos já postos em cilada.E, porque o caso leve se lhe faça,Põem uns poucos diante por negaça,
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87 | Andam pela ribeira alva, arenosa,Os belicosos Mouros acenandoCom a adarga e co'a hástia perigosa,Os fortes Portugueses incitando.Não sofre muito a gente generosaAndar-lhe os cães os dentes amostrando.Qualquer em terra salta tão ligeiro,Que nenhum dizer pode que é primeiro.
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88 | Qual no corro sanguino o ledo amante,Vendo a formosa dama desejada,O touro busca, e pondo-se diante,Salta, corre, sibila, acena, e brada,Mas o animal atroce, nesse instante,Com a fronte cornígera inclinada,Bramando duro corre, e os olhos cerra,Derriba, fere e mata, e põe por terra:
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89 | Eis nos batéis o fogo se levantaNa furiosa e dura artilharia,A plúmbea péla mata, o brado espanta,Ferido o ar retumba e assovia:O coração dos Mouros se quebranta,O temor grande o sangue lhe resfria.Já foge o escondido de medroso,E morre o descoberto aventuroso.
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90 | Não se contenta a gente Portuguesa,Mas seguindo a vitória estrui e mata;A povoação, sem muro e sem defesa,Esbombardeia, acende e desbarata.Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,Que bem cuidou comprá-la mais barata;Já blasfema da guerra, e maldizia,O velho inerte, e a mãe que o filho cria.
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91 | Fugindo, a seta o Mouro vai tirandoSem força, de covarde e de apressado,A pedra, o pau, e o canto arremessando;Dá-lhe armas o furor desatinado.Já a ilha e todo o mais desemparando,A terra firme foge amedrontado;Passa e corta do mar o estreito braço,Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço
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92 | Uns vão nas almadias carregadas,Um corta o mar a nado diligente,Quem se afoga nas ondas encurvadas,Quem bebe o mar, e o deita juntamente.Arrombam as miúdas bombardadasOs pangaios subtis da bruta gente:Desta arte o Português enfim castigaA vil malícia, pérfida, inimiga.
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93 | Tornam vitoriosos para a armada,Co'o despojo da guerra e rica presa,E vão a seu prazer fazer aguada,Sem achar resistência, nem defesa.Ficava a Maura gente magoada,No ódio antigo mais que nunca acesa;E vendo sem vingança tanto dano,Somente estriba no segundo engano.
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94 | Pazes cometer manda arrependidoO Regedor daquela iníqua terra,Sem ser dos Lusitanos entendido,Que em figura de paz lhe manda guerra;Porque o piloto falso prometido,Que toda a má tenção no peito encerra,Para os guiar à morte lhe mandava,Como em sinal das pazes que tratava.
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95 | O Capitão, que já lhe então convinhaTornar a seu caminho acostumado,Que tempo concertado e ventos tinhaPara ir buscar o Indo desejado,Recebendo o piloto, que lhe vinha,Foi dele alegremente agasalhado;E respondendo ao mensageiro a tento,As velas manda dar ao largo vento.
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96 | Desta arte despedida a forte armada,As ondas de Anfitrite dividia,Das filhas de Nereu acompanhada,Fiel, alegre e doce companhia.O Capitão, que não caía em nadaDo enganoso ardil, que o Mouro urdia,Dele mui largamente se informavaDa Índia toda, e costas que passava.
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97 | Mas o Mouro, instruído nos enganosQue o malévolo Baco lhe ensinara,De morte ou cativeiro novos danos,Antes que à Índia chegue, lhe prepara:Dando razões dos portos Indianos,Também tudo o que pede lhe declara,Que, havendo por verdade o que dizia,De nada a forte gente se temia.
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98 | E diz-lhe mais, com o falso pensamentoCom que Sinon os Frígios enganou:Que perto está uma ilha, cujo assentoPovo antigo cristão sempre habitou.O Capitão, que a tudo estava a tento,Tanto com estas novas se alegrou,Que com dádivas grandes lhe rogava,Que o leve à terra onde esta gente estava.
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99 | O mesmo o falso Mouro determina,Que o seguro Cristão lhe manda e pede;Que a ilha é possuída da malinaGente que segue o torpe Mahamede.Aqui o engano e morte lhe imagina,Porque em poder e forças muito excedeA Moçambique esta ilha, que se chamaQuíloa, mui conhecida pela fama.
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100 | Para lá se inclinava a leda frota;Mas a Deusa em Citere celebrada,Vendo como deixava a certa rotaPor ir buscar a morte não cuidada,Não consente que em terra tão remotaSe perca a gente dela tanto amada.E com ventos contrários a desviaDonde o piloto falso a leva e guia.
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101 | Mas o malvado Mouro, não podendoTal determinação levar avante,Outra maldade iníqua cometendo,Ainda em seu propósito constante,Lhe diz que, pois as águas discorrendoOs levaram por força por diante,Que outra ilha tem perto, cuja genteEram Cristãos com Mouros juntamente.
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102 | Também nestas palavras lhe mentia,Como por regimento enfim levava,Que aqui gente de Cristo não havia,Mas a que a Mahamede celebrava.O Capitão, que em tudo o Mouro cria,Virando as velas, a ilha demandava;Mas, não querendo a Deusa guardadora,Não entra pela barra, e surge fora.
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103 | Estava a ilha à terra tão chegada,Que um estreito pequeno a dividia;Uma cidade nela situada,Que na fronte do mar aparecia,De nobres edifícios fabricada,Como por fora ao longe descobria,Regida por um Rei de antiga idade:Mombaça é o nome da ilha e da cidade.
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104 | E sendo a ela o Capitão chegado,Estranhamente ledo, porque esperaDe poder ver o povo batizado,Como o falso piloto lhe dissera,Eis vêm batéis da terra com recadoDo Rei, que já sabia a gente que era:Que Baco muito de antes o avisara,Na forma doutro Mouro, que tomara.
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105 | O recado que trazem é de amigos,Mas debaixo o veneno vem coberto;Que os pensamentos eram de inimigos,Segundo foi o engano descoberto.Ó grandes e gravíssimos perigos!Ó caminho de vida nunca certo:Que aonde a gente põe sua esperança,Tenha a vida tão pouca segurança!
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106 | No mar tanta tormenta, e tanto dano,Tantas vezes a morte apercebida!Na terra tanta guerra, tanto engano,Tanta necessidade avorrecida!Onde pode acolher-se um fraco humano,Onde terá segura a curta vida,Que não se arme, e se indigne o Céu serenoContra um bicho da terra tão pequeno?
FIM. |