Joaquim Maria Machado de Assis
1839 - 1908
Dom Casmurro
CXVI
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Capítulo CXVIFilho do Homem
Apalpei José Dias sobre as maneiras novas de minha mãe; ficou espantado. Não havia nada, nem podia haver coisa nenhuma, tantos eram os louvores incessantes que ele ouvia “à bela e virtuosa Capitu”.– Agora, quando os ouço, entro também no coro; mas a princípio ficava envergonhadíssimo. Para quem chegou, como eu, a arrenegar deste casamento, era duro confessar que ele foi uma verdadeira bênção do céu. Que digna senhora nos saiu a criança travessa de Matacavalos! O pai é que nos separou um pouco, enquanto não nos conhecíamos, mas tudo acabou em bem. Pois, sim, senhor, quando D. Glória elogia a sua nora e comadre...– Então mamãe?...– Perfeitamente!– Mas, por que é que não nos visita há tanto tempo?– Creio que tem andado mais achacada dos seus reumatismos. Este ano tem feito muito frio... Imagine a aflição dela, que andava o dia inteiro, agora é obrigada a estar quieta, ao pé do irmão, que lá tem o seu mal...Quis observar-lhe que tal razão explicava a interrupção das visitas, e não a frieza quando íamos nós a Matacavalos; mas não estendi tão longe a intimidade do agregado. José Dias pediu para ver o nosso “profetazinho” (assim chamava o Ezequiel) e fez-lhe as festas do costume. Desta vez falou ao modo bíblico (estivera na véspera a folhear o livro de Ezequiel, como soube depois) e perguntava-lhe: “Como vai isso, filho do homem?” “Dize-me, filho do homem, onde estão os teus brinquedos?” “Queres comer doce, filho do homem?”– Que filho do homem é esse? perguntou Capitu agastada.– São os modos de dizer da Bíblia.– Pois eu não gosto deles, replicou ela com aspereza.– Tem razão, Capitu, concordou o agregado. Você não imagina como a Bíblia é cheia de expressões cruas e grosseiras. Eu falava assim para variar... Tu como vais, meu anjo? Meu anjo, como é que eu ando na rua?– Não, atalhou Capitu; já lhe vou tirando esse costume de imitar os outros.– Mas tem muita graça; a mim, quando ele copia os meus gestos, parece-me que sou eu mesmo, pequenino. Outro dia chegou a fazer um gesto de D. Glória, tão bem que ela lhe deu um beijo em paga. Vamos, como é que eu ando?– Não, Ezequiel, disse eu, mamãe não quer.Eu mesmo achava feio tal sestro. Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetidos, como o das mãos e pés de Escobar; ultimamente, até apanhara o modo de voltar a cabeça deste, quando falava, e o de deixá-la cair, quando ria. Capitu ralhava. Mas o menino era travesso, como o diabo; apenas começávamos a falar de outra coisa, saltou ao meio da sala, dizendo a José Dias:– O senhor anda assim.Não pudemos deixar de rir, eu mais que ninguém. A primeira pessoa que fechou a cara, que o repreendeu e chamou a si foi Capitu.– Não quero isso, ouviu? |